HISTÓRIAS DA VOVÓ


        

Todas as histórias aqui publicadas, são de autoria da minha avó Viannita




     AVÓ






"O VISCONDE DE PONTE FERREIRA" (Sete Lagoas)

Numa tranquila tarde de verão , nessa hora em que todas as lidas do dia vão começando a paralisar, nossa casa já estava entrando nessa calmaria, quando meu irmão Henriquinho veio em desabada carreira da Estação da Estrada de Ferro, onde tinha ido ver a chegada do trem das cinco horas, mal podendo falar, quase sem fôlego, para dar a novidade a meu pai: dois estrangeiros tinham desembarcado, e estavam perguntando por ele e onde morava.
De fato, dentro de alguns minutos, chegaram à nossa casa acompanhados de vasta bagagem.
Tratava-se do Visconde de Ponte Ferreira, moço fidalgo português, banido da pátria por desavenças políticas, e seu secretário particular.
Tinham trazido carta de apresentação do Dr. Domicio da Gama, nosso embaixador em Portugal, para tio Fernando, então, juiz de direito em Uberaba.
Ai, estiveram por bom tempo, e mais ficariam, mas o Visconde como todo bom fidalgo, e português, trefego e de sangue quente, armou namoro com senhora casada, e tio Fernando, antes que estourasse coisa grave, que já se pronunciava,
enviou-os a meu pai.

Precedidos de tão boa fama, os ilustres hóspedes, não eram nadas agradáveis.
Medidas rigorosas logo foram tomadas.
Assim é, que uma prima, moça e linda, que morava conosco, teve logo ordens de não aparecer-lhes.
Maior bomba não podia ter-nos caído em casa. Foi um corre-corre medonho, não só para a preparação da hospedagem como para o "menu" do jantar que estava próximo. No fim, tudo se arranjou.
O Visconde era uma beleza de homem: alto, claro, cabelos, olhos e bigodes castanhos dourados, dentes lindíssimos, representava bem um fidalgo.
Suas roupas eram magníficas. Roupa branca da mais pura cambraia de linho, ternos, roupas de montar, maravilhosas. E que quantidade!
Trazia o apuro europeu, e ainda coroado com um título de nobreza. Foi uma sensação!
Não era simpático. Tinha um ar muito altaneiro.
Meu pai, coitado, teve que dar tratos à cabeça, para arranjar distrações para os incômodos hóspedes.
Numa cidade pequena, em que nada havia para distrai-los, apelou para a equitação. Nisto o Visconde era perito - oficial de cavalaria - montava que era um espetáculo, e para vê-lo todos os dias, à hora de sua saída, a frente de nossa casa ficava apinhada. Virou distração para o povo.
À noite, lembro-me bem, jogavam dama, xadrez, ou então, o Visconde punha-se a andar na sala de visitas, de cá pra lá, de lá pra cá, contando suas façanhas.
Dizia, que ao se despedir da criadagem de sua herdade, as mulheres quando o viram atravessar a ponte, indo embora, puseram-se a chorar e gritar: "Lá se vai o Antoninho, lá se vai o Antoninho."
Para mim, que era uma criança, era o máximo representante de um príncipe de conto de fadas.
Quando meu pai, já saturado de aguenta-los, resolveu envia-los a meu tio Antonico, na Fazenda do Peixe Bravo.
Tio Antonico era um homem excepcional. Gênio alegre, delicado, folgazão, era indicado para suporta-los. Ótimo caçador e organizador de caçadas, tinha sempre grande número de amigos em sua casa. Com isso, entreteve-os tão bem, que por lá ficaram por mais de um ano.
Findo esse tempo, o Visconde voltou ao Rio, e não sei, se depois a Portugal, não me lembro desse detalhe, mas seu secretário particular não o quis acompanhar. Tornou-se grande amigo do meu tio, organizou e tomou conta de toda a escrita da fazenda. Por lá ficou, finalmente se casando com uma das sobrinhas do tio Antonico, minha prima alias."





Retratos

Não tenho um retrato em criança, que não seja com a cara mais emburrada do mundo, e como se fosse avançar no fotógrafo.
Fotografia, para mim, era sinônimo de martírio.
Minha mãe me ataviava tanto para as mesmas, que era um horror.
Ia enfeitada da cabeça aos pés. Cheia de cordões de ouro, pulseiras, berloques e até de leques.
Ah, o martírio dos leques! O fotógrafo custava a achar uma posição para os mesmos. Ora fechados, ora meio abertos, inclinados para a frente, para traz, mas, sempre um leque. Nunca entendi a razão daquele entecamento. Só sei, que apesar da minha pouca idade, tinha bem a noção do ridículo daqueles descabidos arranjos.
Quando surgia lá em casa a ideia de fotografia, começava o sofrimento e "burro". Tudo isto, ainda agravado por uma tremenda vaia, que levei dos meninos Filizzola, quando da última fotografia, me aterrava. Mas, volta e meia, lá ia eu para o martírio.
Nenhum condenado à morte iria mais triste do que eu, para aquelas pomposas, ridículas e incríveis fotografias.






Sinhá Flavia


Sinhá Flavia era marrom, com a pele toda salpicada de manchas pretas. Andava tão curvada para a frente, que formava quase um ângulo reto. Nunca soube a razão daquilo. Só sei que era doce , risonha e boa.
Inverno ou verão, usava sempre um chalé, também marrom.
Era feia, bem feia mesmo.
Criara as filhas do dr Souto, juiz da comarca, por quem nutria verdadeira adoração.
Não morava mais na casa da família, apenas acompanhava as meninas às aulas de piano, de onde nascem o nosso conhecimento. Dai por diante, passou a me adorar também.
Vez por outra, aparecia em nossa casa, para levar-me um cacho de banana ouro, maduras e tão pequeninas, que pareciam de brinquedo. Mas, que delicias!
Um dia, minha mãe consentiu, que ela me levasse à sua casa.
Era um barracão de chão batido, na "rua Suja". Entrava-se por um portão, que abria-se ao torcer-se uma tábua, que servia de maçaneta.
Mas que capricho em tudo!
O chão apesar de ser de terra, era tão varrido, que quase chegava a brilhar.
O vasilhame, constava só de latas., que de tão areiadas, cintilavam.
Sobre um banquinho tosco, o pote de água, de barro, tampado com um prato de folha, e em cima, um caneco do mesmo material.
Meus olhos de criança de oito anos, se espantaram com aquele ambiente, até então desconhecido. Mas aquela pobreza asseada, se fixou em minha memória, como o perfume da malva, cujas latas enchiam o barracão.


Os serões de nossa casa (Sete Lagoas)


Com que saudades, revejo pela memória, aqueles semblantes queridos, tão nítidos como se fossem em fotografia: os amigos de meu pai, as amigas de minha mãe.
A cidade era pequena, não tinha clube. Homens cultos, inteligentes sentiam necessidade de convívio. 
Acharam-no em nossa casa. Ali, se reuniam todas as noites.
Os homens, tinham aula de inglês com dr Lima, discutiam politica, literatura, jogavam xadrez, damas, etc.
As mulheres, faziam música, tricotavam, faziam "crochet" e assim, se divertiam.
As crianças, ( porque naquele tempo, os pais não saíam sem os filhos) brincavam, meninos com meninos, e meninas com meninas, até cansarem, então iam caindo pelas camas, dormindo, até a hora de seus pais irem-se embora.
Ah, os preparativos para os serões!
Minha avó, que era perita em bolos e biscoitos, fazia-os todos os dias, para o chá das nove horas; além  dos biscoitos de sinhá Courada, mulata quitandeira do lugar, cujos balaios vinham cheios de bolachas torradinhas ( que nunca mais vi), brevidades, quebraquebras, etc.
Esperávamos, as crianças, ansiosos pela hora do chá. Depois, já não nos interessávamos senão pela cama, tontos por esse sono, que só se tem na infância.
Lembro-me do dia em que ganhei o piano. Mandaram me chamar na aula, não sabia de nada. Era surpresa de meu pai.
Quando cheguei e vi na sala o bonito instrumento, novinho , diretamente importado para mim, fiquei paralisada.
Aquele dia me fixou na memória, como um dos mais felizes da minha vida.
Estava ensaiando com dona Mariquinhas, minha professora, a valsa "Sobre as Ondas", num arranjo a  quatro mãos, feito por ela, para fazer surpresa à minha mãe, no dia de seu aniversário, por ser sua música predileta.
O piano chegou justamente na véspera.
No dia seguinte, lá estávamos, as duas tocando, às sete horas da manhã, para acorda-la.
Foi um alvoroço na casa.
Todos se levantaram e tantas vezes tivemos que repetir a música, que tomei um enjoo da mesma, que perdura até hoje. Tinha sete anos nesse tempo.
Lembro-me também, que no aniversário de dona Mariquinhas, meu pai mandou-me levar-lhe de presente um anel, um chuveiro de brilhantes ( ela não cobrava por minhas lições).
Não poderei esquecer a surpresa e o brilho da alegria em seu olhar, quando deparou com a joia. Seus olhos brilharam tanto quanto os brilhantes, e custou a conter as lágrimas.
Anos e anos mais tarde, depois de longa separação, encontrei-me com ela, por ocasião das "Bodas de Ouro" de meus pais. Mostrou-me com a mesma felicidade, o anel no dedo, acrescentando ter sido a única joia, que possuíra na vida.
Ai, quem se emocionou fui eu.



D. Veneranda (Sete Lagoas)(escrito em 08/03/1965)

D. Veneranda era italiana, calabresa. Devia pesar uns 120 quilos e em suas bochechas vermelhas , havia do lado esquerdo, uma enorme pinta preta cheia de fios de cabelos.
Casara-se na Itália, e logo depois do casamento, o marido imigrou para o Brasil, deixando-a à espera do primeiro filho, e com a promessa de voltar para buscá-la , tão logo fosse possível.
Mas os tempos foram correndo, e assim passaram-se os anos.
Quando a criança que ficou esperando, completou 18 anos, ela não teve dúvida- zarpou para o Brasil, com a Angelina, atrás do marido.
Veio encontra-lo, muito tranquilamente em Sete Lagoas, com um oficina de latoeiro, uma mulata ao lado e outra filha, quase da idade daquela que nem chegara a conhecer na Itália.
D. Veneranda, quase morreu de desgosto, com a ingratidão do marido.
Mas, acertadas as contas, S. Laporte despachou a mulata, e ficou com a legítima, que com seu grande coração adotou a bastarda como filha.
D. Verenanda era sensível e boa, desmentindo a fama dos calabreses ( sempre que ouvia meu pai classificar uma pessoa como o máximo de mal educada, empregava apenas estas palavras: "é um calabrez")
Era exagerada em suas emoções, como os de sua raça.
Quando havia doença em uma de suas filhas ( depois que chegou ao Brasil, teve outra, a Rachela), perdia a tramontana. Ai saltava o sangue italiano. Brigava com Deus, blasfemava, era um horror.
Serenada as coisas, vinha-lhe um arrependimento aterrador. Fazia promessas incríveis, como penitência.
De uma feita, como visse umas peladas na cabeça de Rachela, blasfemou tanto, que como penitência fez a promessa de levar na cabeça uma pedra de 15 quilos, na ocasião da festa de Santa Cruz, que era celebrada no alto de um morro, cuja subida tinha três léguas. Foi.
Cumpriu a promessa, mas esteve 15 dias de cama, quase morrendo.
De outra vez, perdeu um neto filho da Angelina. Novas brigas com Deus, novos insultos, novos desagravos. Agora, foi de usar luto pelo resto da vida.
Fora esses transbordamentos, era a criatura melhor do mundo.
Adorava meus pais. Pelo menos uma vez por semana, vinha vê-los, quase sempre aos sábados, ocasião que lhes trazia ótimos pães italianos, feitos por ela.
Por toda vida conservou a mágoa da traição do marido. Não podia ouvir tocar de leve na grande malandragem - silenciava, enquanto grossas lágrimas, rolavam- lhe  pelas enormes bochechas, acompanhadas de profundos suspiros.
O marido é que passava apertado nessas ocasiões. Ficava cabisbaixo, retorcendo as mãos, sem saber o que fazer.
Meu pai, com seu gênio trocista, punha-o às vezes, nessa situação.

                                                  (08-03-1965)






A menina da toalhinha ( fazenda do Peixe Bravo)


         Todos já a tinham visto na velha fazenda. Assim, minha mãe, cuja imaginação era fértil, contava.
         Andava correndo, pelos longos corredores, pela sala de jantar, onde muitos a viam, perto do pote d'água.
Parecia ter roldana nos pés, tão de leve caminhava.
Ninguém jamais a vira de frente, era sempre pelas costas, com uma pequena e alva toalha, jogada na cabeça.
Uma luz estranha a iluminava.
Ninguém lhe tinha medo. era familiar. Chamavam-na "A Menina da Toalhinha".
A única pessoa na fazenda que ainda não tinha tido o privilégio de vê-la era "Dindinha Aninha", velha agregada, que vivia a serzir roupas e acompanhar as moças nos passeios pelos campos. Morria de inveja e até de um certo despeito, por ser a exceção das aparições.
Um dia, afinal, "Didinha Aninha" acordou com um grande clarão no quarto. Estremunhada, não divisou logo o que era aquilo, mas firmando os olhos, percebeu nitidamente a visão tão sonhada - ali estava junto de seu leito, de frente sorrindo - a "Menina da Toalhinha".
No primeiro momento ficou atordoada. Depois mais calma, perguntou-lhe quem era, e porque andava assim pela fazenda.
Ela respondeu-lhe que havia sido escrava e como tal, roubara um dedal de ouro da antiga "Sinhá", razão pela qual andava penando. Morrera aos treze anos, sem confessar esse pecado. Pediu-lhe que mandasse avaliar o preço de um dedal desse metal, e o dinheiro assim obtido, empregasse em missas por sua alma.
            "Dindinha Aninha" apressou-se em cumprir o que ela pedira, e desde então ninguém mais a viu.




A falsa promessa

                      Eu devia ter meus cinco ou seis anos, quando um dia adoeci com febre.
Chamando o médico,  rebelei-me contra o exame da garganta. Estava irredutível. Foi quando ele usou um argumento decisivo: dar-me-ia uma linda boneca se eu consentisse no exame. Diante de tão tentadora promessa, capitulei. Abri a boca o mais que pude, deixando-o fazer o exame que quis. Ao sair o Dr. Prado, era este o seu nome, ainda reafirmou, que no dia seguinte eu receberia a boneca.
                       Sonhei o resto do dia, o dia seguinte e mais outros. A boneca não chegava.
Em minha inocência de criança, procurava justificativas pela demora - com certeza, ocupado como era, não tivera tempo para compra-la, ou então, que não havia encontrado uma tão linda como prometera.
De nenhum modo, me passava pela cabeça, que aquela promessa, tinha sido apenas um ardil.
                       Passados uns cinco ou seis dias, comecei a desconfiar e a perder as esperanças do presente. Não consigo descrever a mágoa e o desapontamento que isso me causou.
Havia horas, que engolia em seco a vontade de chorar.
                        Nunca pude esquecer aquele médico baiano, com sua cara larga e morena, e olhos redondos, como os de uma coruja.
                        Passou a encarnar para mim, a justa expressão da mentira. Para conseguir um simples exame de garganta, tinha levado a uma criança, o conhecimento dessa falsa moral.
                        O que mais me doía, era ter sido feita de tola.
                        Nunca toquei no assunto com ninguém, humilhada!
                                                                  (14-03-1965)


A volta (Tres Corações)


                        A gente quando viveu em um lugar, quando criança e sai na adolescência, guarda uma lembrança um tanto fantástica.
A prova é quando se volta, mais tarde.
A decepção é imensa!
                        Assim aconteceu comigo, quando sai de Três Corações. Aí passei dos dez aos catorze anos.
A cidade era movimentada, alegre, feira de gado, rica.
Lá deixei minhas melhores amigas de infância e princípio de juventude.
 Convivemos intensamente nesses quatro anos.
                       Quando saí, trazia uma saudade imensa, e uma saudade desesperada de voltar.
Os anos se passaram e isso não aconteceu.
Já casada e com filhos, fomos fazer uma estação de águas, em Lambari.
Jonas, que sempre me ouviu clamar saudades de Três Corações, resolveu levar-me lá.
Antes não tivesse ido. Tudo se me figurou diferente - a cidade me pareceu ter encolhido, suas ruas estreitaram, as casas diminuíram e enfeiaram.
                      O pior de tudo, foram as pessoas. As amigas, tinham se casado quase todas. Muitas tinham se mudado de lá. Encontrei apenas duas, uma viúva, a outra solteirona. Aquelas criaturas, que eu deixara cheias de vida e alegria, estavam apáticas, aniquiladas pelo destino.
Namir, minha doce Namir, minha maior amiga, tinha morrido tuberculosa.
Nas duas professoras que visitei, não encontrei a efusão esperada.
                      Foi uma verdadeira desolação!
                      Muito me arrependi de ter ido!
                      Saí com o propósito de nunca mais voltar.
                      Três Corações, que eu tanto queria, tinha submergido. Acabara!


... Fumaça e parado na estação de Três Corações, sul de Minas


O Jacob ( Belo Horizonte )




 

Lá em casa








Cismando




 





Oração de Graças











Ser mãe












Meditação










































Nostalgia








































A hora azul








































Meu filho









































    Tempo de amargura









    De joelhos





    Retrato de minha mãe



















                                                   Eu me assombrava daquilo tudo e achava tudo horrivelmente ridículo.
                                          Mesmo menina, sentia que aquilo era sinal de atraso e aqueles toques de caixa ressoavam desagradavelmente aos meus ouvidos e deles guardo péssima lembrança.
                                          Aí, vivi até meus dez anos, saindo para não mais voltar.






                                           









                                          Recordar





                                          Meu pai









                                          Continuação de Retrato de minha mãe:







                                          Aos meus netos






                                          Chuva




                                          Um homem





                                          Cismando





                                          O cisne





                                          Magnolias da minha rua






                                          Domingo triste








                                          Natal - Natais











                                          Água corrente







                                          Janela entreaberta








                                          Alvorecer





                                          Teodorinha







                                          Nenhum comentário:

                                          Postar um comentário