quarta-feira, 18 de maio de 2011

D. Veneranda (Sete Lagoas)(escrito em 08/03/1965)

D. Veneranda era italiana, calabresa. Devia pesar uns 120 quilos e em suas bochechas vermelhas , havia do lado esquerdo, uma enorme pinta preta cheia de fios de cabelos.
Casara-se na Itália, e logo depois do casamento, o marido imigrou para o Brasil, deixando-a à espera do primeiro filho, e com a promessa de voltar para bucá-la, tão logo fosse possível.
Mas os tempos foram correndo, e assim passaram-se os anos.
Quando a criança que ficou esperando, completou 18 anos, ela não teve dúvida- zarpou para o Brasil, com a Angelina, atras do marido.
Veio encontra-lo, muito tranquilamente em Sete Lagoas, com um oficina de latoeiro, uma mulata ao lado e outra filha, quase da idade daquela que nem chegara a conhecer na Itália.
D. Venerana, quase morreu de desgosto, com a ingratidão do marido.
Mas, acertadas as contas, S. Laporte despachou a mulata, e ficou com a legítima, que com seu grande coração adotou a bastarda como filha.
D. Verenanda era sensível e boa, desmentindo a fama dos calabreses ( sempre que ouvia meu pai classificar uma pessoa como o máximo de mal educada, empregava apenas estas palavras: "é um calabrez")
Era exagerada em suas emoções, como os de sua raça.
Quando havia doença em uma de suas filhas ( depois que chegou ao Brasil, teve outra, a Rachela), perdia a tramontana. Ai saltava o sangue italiano. Brigava com Deus, blasfemava, era um horror.
Serenada as coisas, vinha-lhe um arrependimento aterrador. Fazia promessas incriveis, como penitência.
De uma feita, como visse umas peladas na cabeça de Rachela, blasfemou tanto, que como penitência fez a promessa de levar na cabeça uma pedra de 15 quilos, na ocasião da festa de Santa Cruz, que era celebrada no alto de um morro, cuja subida tinha tres léguas.Foi.
Cumpriu a promessa, mas esteve 15 dias de cama, quase morrendo.
De outra vez, perdeu um neto filho da Angelina. Novas brigas com Deus, novos insultos, novos desagravos. Agora, foi de usar luto pelo resto da vida.
Fora esses transbordamentos, era a criatura melhor do mundo.
Adorava meus pais. Pelo menos uma vez por semana, vinha ve-los, quase sempre aos sábados, ocasião que lhes trazia ótimos pães italianos, feitos por ela.
Por toda vida conservou a mágoa da traição do marido. Não podia ouvir tocar de leve na grande malandragem - silenciava, enquanto grossas lágrimas, rolavam-lhe pelas enormes bochechas, acompanhadas de profundos suspiros.
O marido é que passava apertado nessas ocasiões. Ficava cabisbaixo, retorcendo as mãos, sem saber o que fazer.
Meu pai, com seu genio trocista, punha-o às vezes, nessa situação.



18 de Maio, quarta feira, 2011

"Mal começaram a existir a prudência e a perspicácia, nasceu a hipocrisia" (Lau Tseu)